Hershel de Ostropol, ou Hershele Ostropoler, é um personagem muito presente no humor judaico.
Suas façanhas foram mitificadas ao longo dos anos, e há indicações de que ele viveu onde hoje é a Ucrânia, no final do século 18 ou início do século 19.
Esta é uma das boas histórias sobre ele:
– numa tarde de inverno excepcionalmente gelada, Hershel vagava de aldeia em aldeia e percebeu que corria o risco de não encontrar onde dormir antes que escurecesse completamente.
Como não havia nenhuma casa ou abrigo à vista e a neve era intensa, ele fechou bem o agasalho e apressou o passo.
Depois de algum tempo, enxergou uma luz distante e quando chegou mais perto, viu fumaça saindo da chaminé e percebeu que era uma pousada.
Hershel, enregelado, já se imaginou aquecendo-se perto do fogo e comendo alguma coisa.
Lá dentro, o estalajadeiro e a mulher estavam terminando a limpeza quando ouviram uma batida na porta.
A esposa resmungou, falando para o marido:
– “Quem será, a essa hora da noite? Você responde, e se ele não tiver dinheiro para pagar, não deixe entrar.”
O homem abriu a porta e quando viu os trajes do pobre homem, deu-se conta de que a esposa estava certa, e disse:
– “Me desculpe, mas não temos vaga e já fechamos.”
Hershel, antes que a porta se fechasse, falou:
– “Por favor, senhor, ajude um pobre homem a sobreviver. Deixe-me dormir no celeiro com as ovelhas, mas não me mande embora.”
– “Vou consultar minha esposa” – respondeu ele, com a voz cansada.
A esposa, que ouviu a conversa, não quis saber disso:
– “Se ele dormir aqui vai querer comida, e em breve vamos ser conhecidos em toda a Ucrânia como uma hospedaria de caridade. Se não quiser ver uma fila de mendigos aqui, livre-se dele.”
O homem voltou a abrir a porta, mas com pena de Hershel, disse:
– “Pode dormir no celeiro.”
– “Obrigado! E o senhor poderia me dar um pedaço de pão?” – perguntou o viajante.
O estalajadeiro, tendo ouvido o que a esposa havia dito, falou:
– “Desculpe, não há comida”.
Ouvindo aquilo, Hershel pensou:
– “Sem comida? Quem já ouviu falar de uma pousada sem comida?”
Pensando na amarga noite que teria se não tivesse o que comer, o sangue de Hershel subiu diante do egoísmo do casal e falou:
– “Olhe aqui, você tem uma pousada muito agradável e eu posso sentir o cheiro de comida daqui. Se não me ajudar, farei o que meu pai fez!”
Dito isso, agarrou o homem pelo pescoço e o sacudiu. O dono da pousada, apavorado com a rapidez da reação, foi facilmente dominado.
Enquanto o segurava, Hershel disse:
– “Se você não me der comida, eu vou ter que fazer o que meu pai fez.”
E repetiu, gritando:
– “VOCÊ ESTÁ ME OBRIGANDO A FAZER O QUE MEU PAI FEZ!”
Atordoado, o estalajadeiro abriu a porta e rapidamente puxou uma cadeira para Hershel.
Em seguida abriu os armários e o forno e tirou todo o alimento que encontrou: ensopado com pão quente, picles, repolho, sonhos de nata, tudo.
Nisso a esposa chegou na sala e ficou furiosa com o que viu: a melhor comida que tinham para os hóspedes estava sendo servida a um mendigo que não podia pagar nem pela água do banho.
– “O que significa isso?” perguntou.
E o marido, sem parar para explicar, respondeu enquanto servia:
– “Se não fizermos isso, ele fará o que seu pai fez”.
O medo na sua voz fez com que a mulher silenciasse, e assim os dois assistiram Hershel, com fome, comer um prato depois do outro.
Quando terminou, ele levantou da mesa e agradeceu ao casal.
Em seguida o dono da pousada educadamente mostrou o melhor quarto da hospedaria e correu para preparar um banho fumegante para ele.
No começo da manhã, Hershel acordou revigorado. Reuniu seus poucos pertences e quando estava saindo da pousada, o estalajadeiro ofereceu-lhe algumas panquecas e uma xícara de chá, que ele aceitou, agradecendo pela hospitalidade.
O homem esperava por ele na porta, e quando Hershel estava saindo para a estrada, perguntou, com voz mansa:
– “Senhor, espero que não se importe com a minha pergunta, mas o que seu pai fez?”
Hershel virou-se e respondeu:
– “Em uma noite fria como a de ontem, quando não conseguiu encontrar comida, meu pai… Foi para a cama com fome…”