“A missão do judeu não é tornar o mundo mais judaico. A missão do judeu é tornar o mundo mais humano.”
(Henry I. Sobel)
Os judeus brasileiros receberam com grande tristeza a notícia do falecimento do Rabino Henry Sobel, ocorrido na última 6ª feira.
Imediatamente veio à minha lembrança a história de quando nos conhecemos e da relação que se estabeleceu entre nós.
Em novembro de 1972 conheci a Regina, que seria minha primeira esposa e tornar-se-ia a mãe de meus quatro primeiros filhos. Anos mais tarde nos separamos, casei com a Rosane e ganhei outros dois filhos.
A Regina vinha de família católica e ela era ativa no movimento de jovens da igreja. Eu sou judeu, como todos sabem.
O pai da Regina havia falecido em abril, portanto não cheguei a conhece-lo. Chamava-se Amilton Nocera e dele sempre ouvi tratar-se de um homem corretíssimo, excelente pai e profissional competente e ético.
Como meus pais faleceram em 1965, nossos filhos tiveram uma única mas super-avó: a Fani, que supriu inteiramente a falta dos demais e já nos deixou.
Logo no início de 1973 decidimos nos casar. Imaginem o espanto da minha sogra, viúva há menos de um ano, com três filhos para criar e tendo a filha pedida em casamento por um semi-desconhecido. Ficou estabelecido que isso só poderia acontecer após cumprido o ano de luto.
Se para mim o casamento religioso não era importante, para a Regina e a mãe era fundamental. Quando o assunto veio à tona, a Regina me surpreendeu ao dizer que estava disposta a converter-se ao Judaísmo, por acreditar que quanto menos diferenças existissem entre o casal, melhor.
Se a pobre Fani já estava assustada, nesse momento ela poderia ter surtado, mas não fez objeção.
A comunidade judaica de Curitiba ainda não tinha um Rabino e isso nos colocou frente a um problema: como fazer a conversão?
Foi quando apareceu uma luz: contatamos uma prima de meu pai que residia em São Paulo, a saudosa Dora Guelmann Roitburd, pedindo que conversasse com o Rabino Henry Sobel e visse se ele poderia nos ajudar. Ele estava à frente da Congregação Israelita Paulista-CIP há poucos anos e já havia adquirido uma certa fama em razão da juventude e da forma de atuar.
Passados alguns dias a Dora nos ligou dizendo que o Rabino foi muito receptivo mas esclareceu que não fazia conversões apenas para propiciar o casamento e teria que analisar o caso com mais profundidade. Para isso, entregou à Dora um questionário que deveria ser preenchido por nós dois.
Eram tempos de malotes e encomendas pelo correio, e tão logo recebemos o formulário, o preenchemos e devolvemos.
Após alguns dias a Dora nos ligou novamente com uma boa notícia: o Rabino queria nos conhecer e havia marcado data para uma conversa. A Regina e eu fomos então para SP e tivemos o primeiro contato pessoal com o Rabino Sobel, em seu escritório na CIP.
De início conversamos os três e depois ele me pediu que saísse da sala. A Regina me lembrou hoje que ele decidiu fazer a conversão após ela ter dito que desejava que os filhos fossem criados em um ambiente onde a religião estivesse presente, e que isso só aconteceria se ambos os pais tivessem a mesma fé.
O Rabino nos deu uma lista de livros que deveríamos ler e informou que precisaríamos de uma aula semanal durante três meses.
Em seguida teve uma atitude de extrema generosidade:
– disse que como morávamos em Curitiba e faríamos um grande sacrifício, o mínimo que poderia fazer seria nos receber em sua própria casa, todas as sextas-feiras.
A partir daí a Regina e eu tivemos nossas aulas com o Rabino Sobel em seu apartamento.
Nas primeiras semanas íamos de avião, mas logo concluímos que os custos dos deslocamentos seriam muitos altos e passamos a viajar de ônibus-leito. Saíamos de Curitiba na 5ª feira a noite e voltávamos na 6ª. Éramos dois jovens zumbis vagando pela Regis Bittencourt.
Na leitura dos livros e nas aulas com o Rabino, a Regina deu os primeiros passos em direção ao Judaísmo e eu também mergulhei fundo na religião de meus ancestrais.
Ao final do curso, a Regina passou pela “Mikvá” na CIP. O Rabino deu à ela o nome hebraico de Ruth, uma convertida sincera que abraçou o judaísmo de todo o coração.
Em junho daquele ano o Rabino Sobel veio oficiar a cerimônia religiosa. Nessa ocasião ele sugeriu que a Comunidade contratasse um seu amigo, David Benayon, que veio a ser o 1º Rabino de Curitiba.
Após pouco mais de dois anos o Rabino Sobel teve a participação que o notabilizou, quando da morte do jornalista Vlado Herzog, ao impedir que ele fosse sepultado na ala dos suicidas no Cemitério Israelita.
Posteriormente estivemos juntos nas oportunidades em que esteve em Curitiba. Falamos também algumas vezes por telefone, mas nos últimos anos perdemos o contato.
A distância física não acabou com a amizade, o respeito e a gratidão que a Regina e eu tínhamos para com ele.
Termino com o texto atribuído à ele que passou a circular logo após o anúncio de seu falecimento:
“Quando eu falecer gostarei que coloquem esse texto.
Imagine que você está à beira-mar e vê um navio partindo. Você fica olhando, enquanto ele vai se afastando, cada vez mais longe, até que finalmente aparece apenas um ponto no horizonte. Lá o mar e o céu se encontram. E você diz: ‘Pronto, ele se foi’. Foi aonde? Foi a um lugar que a sua visão não alcança, só isso. Ele continua tão grande, tão bonito e tão imponente como era quando estava perto de você. A dimensão diminuída está em você, não nele. E naquele momento em que você está dizendo: ‘Ele se foi’, há outros olhos vendo-o aproximar-se e outras vozes exclamando com alegria: ‘Ele está chegando’”.
(¹) “z’l” é a abreviação da palavra em hebraico “zikhrono livrakhá” que significa ‘Que sua memoria seja uma benção” e é usada após o nome de pessoas que já faleceram.
(²) “Mikvá” é a palavra hebraica que designa a imersão ritual em água utilizada para purificação da mulher após a menstruação. É igualmente um requisito dos que se convertem ao judaísmo.
Henry Isaac Sobel
Lisboa (Portugal), 9/1/1944 – Miami (EUA), 22/11/2019
One thought on “Quando o Rabino Sobel z”l (¹) Nos Abriu as Portas de Sua Casa”
Uma belíssima história que honra o personagem mas também quem a conta.