Emílio de Menezes. Os Curitibanos conhecem a rua com esse nome e muitos até sabem que ele foi um jornalista e poeta conterrâneo. De fato, Emílio Nunes Correia de Menezes nasceu em Curitiba em 4 de julho de 1866 e faleceu no Rio de Janeiro em 6 de junho de 1918. Seu sobrenome é grafado com Z, como nas placas das ruas de diversas cidades que o homenagearam, e também com S, como no site da Academia Brasileira de Letras.
Grande conhecedor de nosso idioma e dotado de raciocínio extremamente rápido, Emílio tornou-se conhecido pelos trocadilhos com os quais constrangia adversários e mesmo desconhecidos. Ele exercia esse hábito com tanta maestria e humor que ainda hoje, mais de um século após terem sido criados, são exemplos do uso criativo da nossa língua e continuam sendo repetidos, ainda que muitas vezes com algumas alterações.
Único filho homem, ao lado de oito irmãs, em Curitiba fez os estudos primários e secundários e aos 14 anos começou a trabalhar na farmácia de um cunhado farmacêutico. A biografia menciona que aqui ele se destacava “pela originalidade de sua figura e dos seus hábitos, pela extravagância das maneiras e das roupas e pela singularidade da imaginação”. Aos 18 anos mudou-se para o Rio de Janeiro.
Saído da provinciana Curitiba, lá se tornou um boêmio inveterado. Passou a frequentar a Confeitaria Colombo logo após sua abertura, em 1894, mas antes já tinha como parceiros de copo e de farras poetas como Olavo Bilac, Capistrano de Abreu, Gregório de Matos, Martins Fontes, etc. Também conviveu com figuras ilustres do cenário cultural da época, como José do Patrocínio e Raimundo Correa.
Apesar de restrições à sua maneira boêmia de viver, Emílio foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em 1897 e em 1914 foi indicado para suceder a Salvador de Mendonça como segundo ocupante da cadeira 20. Pela praxe seria recebido e saudado pelo Acadêmico Luís Murat. No entanto, o discurso de posse que escreveu se revelou bastante polêmico. Emílio desconhecia a obra de seu antecessor como poeta, ficcionista e crítico, e nada sabia da atuação política e diplomática de Murat. A fala, que acabou não sendo realizada, continha trechos considerados “incompatíveis com a elegância acadêmica” pela Mesa da Academia. Emílio protelou as emendas e, quando faleceu, quatro anos após ter sido eleito, ainda não havia tomado posse da cadeira.
Emílio de Menezes colaborou com as colunas humorísticas dos jornais cariocas e publicava poesias satíricas e ferinas sob vários pseudônimos. Mesmo sendo considerado um bom poeta parnasiano, autor de 230 poemas, deixou um vasto anedotário como um dos maiores autores cômicos e satíricos da literatura brasileira.
Aos 50 anos Emílio começou a padecer de males causados pelo excesso de bebida e emagreceu muito. Ele faleceu aos 52 incompletos, e dizem que, fiel ao seu estilo, suas últimas palavras teriam sido:
– “Fiquem tranquilos porque estou apenas enganando os vermes. Eles esperam mais de cem quilos de banha, e estou levando ossos duros de roer”..
Vamos, então, à uma coletânea de nosso conterrâneo:
I
Emílio estava em um bonde, no Rio de Janeiro, quando entrou uma conhecida atriz de quem não gostava e que sempre o aborrecia quando o encontrava. Ela procurou sentar no lugar vago a seu lado, mas o poeta a desencorajou com uma pronta observação, após verificar que havia lugares disponíveis mais atrás:
– “Atriz atroz, atrás há três!”
II
Em um de seus prediletos pontos de observação – a mesa de um bar – Emílio bebia com amigos quando viu passar uma pessoa com fama de conquistador, de nome Penha. Os amigos comentaram que Penha andava sofrendo de males de amor não correspondido por uma mulher de duvidosa reputação. O poeta saiu-se com esta:
– “Um homem que se diz Penha sofrendo por uma mulher que se disputa…”
III
Manhã de sexta-feira santa. As famílias de Curitiba saiam das missas de rememoração da morte de Cristo. Algumas passaram pela Praça Osório e encontraram Emílio embriagado, amparando-se em uma das palmeiras do logradouro. Imediatamente o reconheceram, foram até ele e o censuraram.
– “Emílio, mas nem o dia de hoje, em que todos se recolhem para lembrar a morte de Nosso Senhor, você respeita?”
Nem sua visível embriaguez o impediu de uma tirada inteligente:
– “Não foi no dia de hoje que se cometeu o maior crime da humanidade, em que mataram o Filho de Deus feito homem?”
– “Foi, é claro!…” – responderam os piedosos conhecidos”. E ele completou: – “Pois quando a divindade sucumbe, a humanidade cambaleia…”
IV
Mesmo cenário: Praça Osório, no centro de Curitiba. Postado em sua mesa, em um bar, com vista para a praça, Emílio viu uma senhora bastante obesa tentando acomodar sua massa corporal em um banco de madeira; quando conseguiu, o assento não suportou o peso e cedeu, para susto da untuosa dama. Emilio não demorou a fazer sua observação:
– “É a primeira vez que vejo um banco quebrar por excesso de fundos…”
V
Perguntaram-lhe:
– “Emílio, sabes qual a parte mais bonita do corpo da mulher?”
– “Sei-o!”
VI
Emílio visitava uma exposição agrícola e parou para examinar algumas espigas de milho. Apareceu a seu lado um amigo espirituoso que, sabendo das qualidades de Emílio como trocadilhista, quis antecipar-se e disse:
– “É milho!…”
Emílio nem sequer sorriu pela blague a ele dirigida e logo respondeu:
– “Hum, estás com a veia, hoje?”
O humorista improvisado percebeu que não poderia concorrer com a veia cômica de Emílio e fez menção de sair de fininho. Mas o poeta o segurou:
– “Não, não se evada.”
E puxou-o até uma cadeira próxima, colocando-o sobre o assento.
– “Pronto: sentei-o. Mas não te preocupes. A ti não intrigo, somente humilho.”
VII
Apertado para aliviar a bexiga, correu até um terreno baldio. Muito gordo, estava terminando de aliviar-se quando um menino gritou:
– “Ih, eu vi seu negócio!”
Após recompor-se, Emílio chamou o pirralho e deu-lhe uma moeda:
– “Tome, você merece! Há anos não o vejo…”
VIII
Certo médico, muito conceituado na profissão, candidatou-se a uma vaga na Academia Brasileira de Letras e, em uma roda, comentava-se sobre se ele conquistaria a cadeira.
– “É mais que certo” – opinou Emílio – “Vocês compreendem: há muito tempo ele está cabalando votos para entrar para a Academia! Não há acadêmico que adoeça, mesmo levemente, que ele não se ofereça para ser seu médico assistente e de graça…”
– “Cavando o voto!…” – interrompeu um dos circunstantes.
E Emílio explicou:
– “Qual voto! Cavando a vaga…”
IX
Ainda estudante, Emílio se aborreceu com os discursos de um Professor Saboya, na sala de aula. Percebendo seu desinteresse, o mestre lhe perguntou:
– “Senhor Emílio, defina a Sabedoria!”
Resposta rápida:
– “A sabedoria, professor, é algo que tem efetivamente muito peso… Se colocada n’água, ela afunda.”
– “E a ignorância, então?”
– “A ignorância? Ora, essa boia!”
X
Passava uma senhora cheia de joias e alguém observou:
– “Que beleza de brilhantes leva aquela dama…”
E Emílio, na hora:
– “Podem ser di…amantes.”
XI
Uma senhora, sem perceber seu estado etílico, resolveu perguntar o que ele tinha na enorme barriga. Após colocar a mão à altura do umbigo, respondeu:
– “Daqui pra cima, cerveja; para baixo, Parati” (Parati era o nome de uma famosa cachaça).
XII
Sobre Madame Curie, que ganhou o Prêmio Nobel de Química e que, dizia-se, estava apaixonada:
– “Devia ganhar o prêmio de Física por seus estudos de atração dos corpos.”
XIII
Falando sobre um Ministro cuja saída do Governo era desejada pelo Presidente de República, que o ‘fritava’, mas que se fazia de desentendido e continuava no cargo como se nada houvesse:
– “É um insigne ficante”.
XIV
Alguém, de quem Emílio não gostava, pediu que contasse seu último trocadilho, e ele disse:
– “Eu morava em Paquetá e mudei para a Ilha do Governador”.
A pessoa disse que isso não era trocadilho e Emílio respondeu:
– “Mas é uma boa troca d’ilhas”.
XV
Um poeta encontrou Emílio em uma confeitaria e lhe disse:
– “Ontem escrevi dois sonetos. Vou ler um deles e gostaria de saber o que você acha. Amanhã trarei o outro, para que me dê tua opinião.”
Depois de ler cuidadosamente, o poeta perguntou:
– “O que você achou?”
Emilio, ao seu modo, disparou:
– “Prefiro o outro.”
Emílio de Menezes
* Curitiba, 4/7/1866
† Rio de Janeiro, 6/6/1918