Não há brasileiro que não conheça ou tenha ouvido falar de pessoas com nomes diferentes. Com o advento das redes sociais, histórias sobre registros inusitados ganharam visibilidade, e tornou-se comum vermos listas e até cópias de RGs com esses casos. Alguns nomes parecem tão inverossímeis que é difícil garantir sua autenticidade. Para alguns, é diversão; para as vítimas dessas excrescências cartoriais, é um tormento. As redes amplificam tanto a criatividade quanto os constrangimentos causados por esses nomes. Esses documentos de identificação viralizam e geram debates sobre os limites entre a liberdade de escolha dos pais e o direito da criança a um nome que não traga embaraços futuros.
Seja como for, no Brasil essas escolhas eventualmente se transformam em algo que beira o surreal e acabam ganhando ainda mais visibilidade. É o caso, por exemplo, da febre que acomete numerosos e ardorosos fãs após as Copas do Mundo. Eles chegam aos cartórios ignorando a tênue fronteira entre a criatividade e o constrangimento que o nome poderá causar à criança. Claro que a admiração e o amor ao jogador e ao futebol são legítimos, mas o fanatismo dos progenitores, somado à falta de critério do titular do Registro de Nascimentos, geram Romarildos, Zidaneis e até Ronaldinhéias. Alguns pais desconhecem que o suposto nome do jogador é, na realidade, um apelido, e o recém-nascido é lançado ao mundo com uma maldição vitalícia:
– “Vai ser objeto de escárnio por toda a vida, Tafarelson!”
Sempre ouvi dizer que o escritor Oswald de Andrade, um dos principais organizadores da Semana de Arte Moderna de 1922, teria registrado os filhos com nomes excêntricos. Falava-se, por exemplo, de um Lança Perfume Rhodo Metálico de Andrade e de um Rolando Escada Abaixo de Andrade. No entanto, apenas um dos cinco filhos realmente tinha um nome diferente: Rudá. Para atestar as excentricidades do pai, não bastasse esse ser um nome incomum, o registro foi feito como Rudá Poronominare Galvão de Andrade. Na mitologia tupi, Rudá significa “deus do amor”, fruto da admiração do pai pela cultura indígena brasileira.
Tempos atrás, deparei-me com uma “Kherolainy” no Facebook. O nome provavelmente surgiu da pronúncia em inglês de Caroline. Resta saber se o erro foi do cartorário ou se foi escolha deliberada dos pais. No Brasil, a Lei 6.015/73 determina que o oficial de registro não deve efetuar a certidão de nascimento se o nome expuser a pessoa ao ridículo. Caso os pais discordem, podem recorrer ao juiz competente. Sabemos, porém, que o conceito de “ridículo” é elástico. Já a correção de erros de grafia (letras trocadas ou repetidas), segundo a mesma lei, pode ser feita diretamente no cartório onde a pessoa foi registrada, mediante petição assinada pelo próprio interessado ou por seu procurador. Exemplos comuns são Creusa, que deveria ser Cleusa, e nomes estrangeiros como Washington, frequentemente grafados incorretamente. Talvez o caso de Kherolainy não se encaixe como erro técnico, mas é possível imaginar que a portadora tenha enfrentado bullying em algum momento.
A lei mencionada, dos Registros Públicos, diz que o nome pode ser alterado se houver um motivo. Um caso curioso aconteceu em 2021 no Estado de São Paulo, quando uma mãe ganhou o direito de mudar o nome da filha. O pai havia registrado a menina com a marca de um anticoncepcional que a mãe tomava antes da gravidez. Ela conseguiu provar que o nome não era o combinado entre os dois e demonstrou a má-fé do pai. Embora a marca soasse semelhante a um nome feminino, a situação gerava constrangimento. A mãe provou que o casal havia acertado dar um outro nome, e ele registrou a menina daquela forma dizendo que ela havia engravidado propositadamente. Ela queria fazer a troca nos primeiros meses de vida do bebê e inicialmente tentou no cartório, mas o pedido foi negado sob a justificativa de que, como a marca do remédio era similar à um nome feminino, não era vexatório e não causaria constrangimento. Além disso, a mãe não conseguiu provar a má fé por parte do pai, o que resultou na negativa do pedido em 1ª e 2ª instância. Depois ela mostrou, por meio de mensagens de texto antigas, que ambos tinham combinado um nome em comum acordo, e que ele havia concordado. O recurso foi então levado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde a alteração foi autorizada por unanimidade.
Outro caso emblemático é o do humorista Millôr Fernandes. Nascido em 1923 foi registrado como Milton Viola Fernandes, com data de nascimento alterada para 27/05/1924. Aos 17 anos, ao solicitar uma cópia de sua certidão, descobriu que um erro do escrivão havia transformado ‘Milton’ em ‘Millôr’: o traço incompleto do “T” se assemelhava a um acento circunflexo sobre o “O”, e o “N” parecia um “R”. Em vez de corrigir o erro, Millôr abraçou a nova grafia e identidade, que foi aceita por família e amigos, transformando o equívoco burocrático em sua marca registrada.
Tudo isso nos leva a uma reflexão: a escolha do nome de uma criança é uma responsabilidade enorme, pois o acompanhará por toda a vida. Criatividade, originalidade e o desejo de homenagear alguém são valores importantes, mas é essencial considerar o impacto que o nome pode ter no desenvolvimento social e emocional da pessoa. O bom senso deve prevalecer. A legislação brasileira, ao estabelecer limites, visa proteger as crianças, mas a interpretação sobre o que é “ridículo” ou “constrangedor” é subjetiva. Ainda assim, cada nome carrega uma história — seja de criatividade, tradição ou adaptação — e compõe a riqueza cultural da sociedade.
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