O Jabá Nosso de Cada Dia

jabá
substantivo masculino

  1. [Brasil] Carne de vaca seca com muito sal e ressecada ao sol ou em estufa. = carne-seca, charque
  2. [Brasil] Dinheiro ou bem oferecido a alguém em troca de favor ou negócio lucrativo, geralmente ilícito. = suborno
  3. [Brasil] Quantia em dinheiro dada como recompensa além do pagamento habitual. = gorjeta, gratificação
    (Fonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa)

Se você é jovem, talvez conheça “jabá” só como isso aí, carne-seca. Mas os mais vividos (como eu) sabem que o termo tem outros sabores — e dissabores. Ganhou notoriedade no século passado, no meio musical, quando gravadoras e cantores ofereciam “presentes” a radialistas para emplacar seus discos nas rádios. O público achava que era mérito artístico. Era jabá. E a prática, embora condenada, contaminou outras áreas — hoje se apresenta como publipost, influencer ou “dica amiga”.

O conceito do product placement — inserção de produto dentro do conteúdo — também não é novo. Lembra do “café da manhã da Globo”? Bandejas fartas de sucos, biscoitos e margarinas com os rótulos bem visíveis. Ou então a novela em que o personagem abre a geladeira e pega um leite com a marca virada para a câmera ou talvez aquele refrigerante cuja garrafa é reconhecida em todo o mundo. Até os carros usados pelos protagonistas são cedidos pelas montadoras. Tudo isso é merchandising, assumido ou não.

No rádio, a prática sempre foi mais escancarada. E falo com autoridade: sou do tempo em que ele reinava absoluto. Muitos apresentadores compravam horários e levavam seus anunciantes, vendendo de pomada a suplemento “milagroso”. Hoje, o jabá não só sobrevive como se reinventa com ainda menos pudor. A diferença é que agora ele se infiltra até no noticiário.

No Paraná, chamou atenção o caso de uma jornalista esportiva, com anos de casa, que passou a promover uma marca local de carnes durante seu espaço de comentarista. Não é intervalo comercial — é inserção disfarçada, cuidadosamente embutida. A apresentadora oferece seu nome e sua credibilidade. Talvez para complementar a renda ou contornar a falta de reajustes.

Outro exemplo recente: uma dupla de apresentadores promovia ao vivo, durante o programa de TV em outra rede nacional, um suplemento à base de ora-pro-nóbis. Sem nenhum aviso. Poucos dias depois, a Anvisa proibiu o produto por riscos à saúde. Tudo bem que em termos de notoriedade não eram exatamente “uma Brastemp”, mas certamente passaram por algum constrangimento.

Enquanto isso, nas redes sociais, o jabá virou epidemia. Influenciadores promovem de tudo, sem filtro, sem freio, muitas vezes sem qualquer compromisso ético. Ora disfarçam, ora escancaram. Mas sempre vendem. E o público, perdido entre opinião e propaganda, nem sempre percebe.

O avanço dessa prática — na TV, no rádio ou na internet — compromete a confiança do público. Quando informação, entretenimento e consumo se fundem num mesmo bloco, o espectador fica vulnerável. Por isso, mesmo parecendo voz dissonante, sou favorável a algum tipo de regulação que respeite a inteligência do público e o tempo que ele dedica àquilo que consome.

O aforismo já famoso diz: “Se você não está pagando por um serviço na web, então você é o produto.” Troque “web” por “qualquer meio de comunicação atual”, e a sentença continua valendo.

O jabá nosso de cada dia — agora servido no café da manhã, no noticiário e até no feed do seu celular.


Foto: Pexels

 

 

 

 

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