Já escrevi sobre a conversa que tive com Jaime Lerner quando ele me convidou para integrar a equipe que assumiria a Prefeitura de Curitiba em 1º de janeiro de 1989. Quando pedi tempo para pensar, a resposta veio rápida: “quem havia pressionado para que ele concorresse não tinha direito de pensar”.
Ele pediu que eu assumisse a presidência da Fundação de Recuperação do Indigente – FREI, uma fundação da área social, e explicou: a Constituição recém-promulgada exigia uma série de adequações nas chamadas fundações de interesse público, e ele precisava que a nova estrutura fosse capaz de executar projetos que tinha em mente.
Resumindo: no dia 2 de janeiro lá estava eu. Já na primeira semana ajudamos a desarmar uma bomba-relógio: a administração anterior havia renunciado, junto ao Governo Federal, à gerência do fundo do Mercadão Popular, o que impediria a Prefeitura de colocar em funcionamento os ônibus que levavam à população de baixa renda gêneros alimentícios a preços subsidiados.
Esses ônibus, retirados da frota do município e adaptados para a tarefa, cumpriam programa de manutenção anual e deveriam retornar ao atendimento em 20 dias. Ainda em 1989 foi inaugurada a primeira unidade do Armazém da Família, no Alto Boqueirão, o que mais tarde permitiu a desativação da frota de ônibus.
A mesma FREI teve papel preponderante na instalação da Unidade de Valorização de Recicláveis (UVR), em Campo Magro, fundamental para o sucesso da memorável campanha Lixo Que Não é Lixo. Foi, enfim, um período esplendoroso, e logo Jaime me levou para a Chefia de Gabinete.
Voltando à FREI: havia, em sua estrutura, um Conselho constituído por um representante da comunidade, um da própria municipalidade e um da Câmara Municipal, respectivamente:
– Sra. Maria Virmond Bittencourt, presidente da Liga das Senhoras Católicas;
– Osnin Nunes Soares, adjunto da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social;
– e o médico e vereador Florisvaldo Fier, conhecido como Dr. Rosinha. O Conselho reunia-se em calendário fixado para apreciar o relatório da Diretoria, apresentar sugestões e fazer eventuais questionamentos.
No dia 7 de junho de 1989, Jaime ligou avisando que Paulo Leminski havia falecido e que acabara de combinar com Requião (então governador) que o Município custearia as despesas do sepultamento, enquanto o Governo do Estado pagaria a conta do hospital.
Imediatamente orientei a área financeira a providenciar o necessário e retornei ao Jaime informando que estava tudo resolvido.
Além da obrigação de cumprir a determinação do Prefeito, senti-me emocionado pela oportunidade de participar da homenagem ao Leminski, poeta, escritor e músico curitibano cujo talento projetou a cidade e nos encheu de orgulho. Poucos anos mais velho que eu, Leminski era venerado por nossa geração e ainda hoje é reverenciado. Tive a felicidade de conhecê-lo na casa dos queridos Peggy e Rogério Distéfano.
De minha parte, dava o assunto como resolvido, até que recebi, algum tempo depois, da Assessoria do Prefeito, pedido de informações vindo da Câmara Municipal e protocolado pelo vereador Dr. Rosinha, questionando exatamente o custeio do funeral.
O requerimento legislativo é regulamentar, não cabia objeção, mas pessoalmente me surpreendi. Entendia que o vereador poderia levar o assunto ao Conselho.
Naquela Legislatura o partido do Dr. Rosinha havia eleito outros dois vereadores: o também médico Sílvio Miranda e o Angelo Vanhoni, que a partir daí passou a ser um grande amigo.
Logo após o falecimento de Leminski, justamente o Sílvio Miranda apresentou projeto sugerindo a colocação de uma estátua do poeta na Praça General Osório, relacionando como justificativa suas muitas e inegáveis qualificações.
Como a proposição foi publicada em vários jornais, para responder à Assessoria do Gabinete do Prefeito transcrevi toda a argumentação do vereador, citando-o.
Na primeira reunião do Conselho após o episódio, ao comentar o assunto, disse que, em minha opinião, na qualidade de conselheiro, o vereador poderia aguardar e inquirir a Diretoria da Fundação naquele colegiado. O assunto encerrou-se ali, sem ressentimentos.
O Jaime não esqueceu o amigo. Em 1990 fez com que o local de onde, até uma década antes, saíam pedras para a construção da cidade fosse transformado na Pedreira Paulo Leminski.
Ela se tornou o maior espaço para espetáculos ao ar livre da América Latina, com capacidade para até 30 mil pessoas e uma acústica privilegiada, proporcionada pelo palco entre paredões de rocha. Um dos principais cartões-postais culturais de Curitiba, desde sua inauguração recebe grandes shows e consolidou-se como patrimônio da cidade.
Recentemente, o complexo – que passou a se chamar Parque das Pedreiras Jaime Lerner – recebeu também a Rua da Música, com seis bares e restaurantes.
Ah, é bom dizer: a estátua de Leminski sugerida pelo vereador Sílvio Miranda não vingou na Praça Osório, mas acabou saindo. Em 24/8/2025, dia em que ele completaria 81 anos, o prefeito Eduardo Pimentel inaugurou, na recém-criada Rua da Música, no Parque das Pedreiras, uma escultura em bronze desse notável curitibano, obra do artista Rafael Sartori.
Antes que esqueça: fora da administração, voltei a encontrar o Dr. Rosinha muitos anos depois, em evento de campanha política na qual ambos estávamos empenhados. Nossa conversa foi cordial, como convém aos que não confundem diferenças políticas com respeito humano.