A Avó do Rei da Inglaterra Está Enterrada em Jerusalém — e Poucas Pessoas Sabem Disso

Sim, a avó do Rei Charles III está sepultada em Jerusalém. E não por acaso. Essa informação, que à primeira vista parece estranha — para dizer o mínimo — resume uma das mais extraordinárias trajetórias humanas do século XX.

A princesa Alice de Battenberg, cujo nome completo era Victoria Alice Elizabeth Julia Marie von Battenberg, nasceu no Castelo de Windsor, em 1885, e é lembrada com reverência por judeus de todo o mundo. Foi homenageada por Israel como “Justa entre as Nações”, distinção concedida pelo Yad Vashem àqueles que arriscaram suas vidas para salvar judeus durante o Holocausto.

E sim, a sogra da falecida Rainha Elizabeth II salvou judeus. E a história é tão inacreditável quanto verdadeira.

Alice era surda de nascença, mas aprendeu a ler lábios em diversos idiomas. Casou-se com o príncipe André da Grécia, teve cinco filhos — entre eles o príncipe Philip, futuro marido de Elizabeth II —, e viveu exílios, guerras e reviravoltas familiares. Foi diagnosticada com esquizofrenia e internada à força por sua própria família, passando anos em hospitais psiquiátricos e submetida a tratamentos controversos — inclusive com recomendação de Sigmund Freud.

Apesar disso — ou talvez por isso —, levou uma vida de fé, coragem e compaixão. E durante a Segunda Guerra Mundial, vivendo na Atenas ocupada pelos nazistas, revelou-se uma verdadeira heroína.

Quando soube que Rachel Cohen e sua filha Tilde — judias gregas perseguidas pelos nazistas — buscavam desesperadamente um lugar seguro, Alice as acolheu em seu palácio, escondendo-as no terceiro andar. Um dos filhos da família Cohen, que também corria risco, acabou sendo abrigado no mesmo local. Mesmo com oficiais nazistas suspeitando de suas ações e chegando a interrogá-la, Alice usou sua surdez como defesa, fingindo não compreender os questionamentos. Nem mesmo suas filhas — casadas com aristocratas alemães ligados ao regime nazista — sabiam da presença dos judeus na casa.

Ao final da guerra, a família Cohen sobreviveu graças à proteção da princesa. Um de seus descendentes diria mais tarde:
— Todos nós devemos nossa existência à coragem da princesa Alice.

Mas, como os verdadeiros heróis e benfeitores, Alice não buscava reconhecimento. Ao ser agraciada anos depois, teria respondido:
— Apenas fiz o que considerei minha obrigação.

Após o casamento do filho Philip com Elizabeth, em 1947, a princesa seguiu seu próprio caminho. Em 1949, fundou a Irmandade Cristã de Martha e Maria, uma pequena ordem de freiras ortodoxas que cuidavam dos doentes e pobres. Instalou um convento e um orfanato nos arredores de Atenas, onde viveu por anos — sempre vestida com o hábito monacal, mesmo sem votos formais — e, como retratado na série The Crown, mantendo o cigarro sempre entre os dedos. Ela renunciou a todos os bens e vendeu suas últimas joias para sustentar o projeto, contrariando a família.

Em 1967, durante novo golpe militar na Grécia, foi trazida de volta à Inglaterra a pedido da Rainha. Viveu seus últimos dias no Palácio de Buckingham, já debilitada, mas próxima do filho — com quem mantivera uma relação marcada por ausências e silêncios.

Quando faleceu, em 5 de dezembro de 1969, deixou como únicos bens três vestidos de baile e um pedido claro: ser enterrada em Jerusalém, ao lado de sua tia Elizabeth Fyodorovna, na Igreja Ortodoxa de Santa Maria Madalena, no Monte das Oliveiras. Seu desejo foi atendido quase 20 anos depois, após longas tratativas entre autoridades religiosas e diplomáticas.

O reconhecimento oficial de sua bravura veio em 1993, quando o Yad Vashem lhe conferiu a maior honraria concedida a não judeus que arriscaram suas vidas para salvar judeus durante o Holocausto. O príncipe Philip — que, conta-se, não sabia da história até então — viajou em caráter privado e plantou uma árvore no bosque do Yad Vashem, em homenagem à mãe. Em seu discurso, emocionado, disse que ela jamais mencionara o feito, e concluiu:
— Desconfio que nunca ocorreu à minha mãe que suas ações fossem especiais.

Mais tarde, o príncipe William, bisneto de Alice, também visitou o túmulo da bisavó, onde depositou flores. Na ocasião, encontrou-se com descendentes da família Cohen e declarou que a história de sua bisavó é “motivo de orgulho para toda a família”.

Em 2021, o presidente de Israel, Isaac Herzog, anunciou a criação da Bolsa Princesa Alice de Enfermagem, na Universidade Hebraica de Jerusalém, ressaltando sua “compaixão, espiritualidade e dedicação aos necessitados”.

Fontes consultadas:
Yad Vashem – The World Holocaust Remembrance Center
The Royal Family Official Website
The Guardian
BBC History
Encyclopaedia Britannica
Revista
Morashá
Série
The Crown – Netflix (narrativa dramatizada)


Príncipe Philip planta árvore em memória de sua mãe, Princesa Alice, durante cerimônia no Yad Vashem, 30 de outubro de 1994
(Arquivo do Yad Vashem)

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