Não morei no Rio de Janeiro, mas, como muitos brasileiros, frequentei a cidade o suficiente para entender por que ela era chamada de Maravilhosa – e não apenas pelas paisagens. Havia um espírito carioca inconfundível: leve, musical, naturalmente bem-humorado. Um jeito de viver que parecia vir no DNA do morador, como se ele tivesse nascido com o manual da descontração debaixo do braço.
Minhas idas ao Rio eram simples, mas inesquecíveis. A primeira delas, lembro perfeitamente: fui com minha mãe, minha tia e minha prima, e nos hospedamos no Flamengo. Foi ali que, piá curitibano, fui apresentado à loja do Bob’s… Depois veio a viagem de formatura do ginasial, prolongada com alguns dias na casa do tio-avô, que me levou ao Maracanã para assistir jogo noturno, experiência inesquecível. Mais tarde, já adulto e ainda solteiro, em viagens de trabalho, saia de automóvel de Curitiba, hospedava-me em Copacabana e frequentemente ia visitar aqueles tios, que moravam no Méier. Jamais tive algum problema ou me senti inseguro. Cada ida era a chance de reencontrar aquela combinação única de belezas naturais, informalidade e alegria que fazia a cidade ser realmente “Maravilhosa”.
O humor carioca, então, era um capítulo à parte: rápido, inventivo, cheio de graça até para reclamar do calor, do trânsito, da política ou da vida.
A última visita foi há alguns anos, com a Rosane, para assistir ao Carnaval.
Com o passar do tempo, no entanto, aquela imagem luminosa começou a se desfocar. A cidade que já foi sinônimo do melhor do país passou a mostrar, cada vez mais, aquilo que temos de pior. É fácil concluir: a recente operação nos complexos do Alemão e da Penha, contra o Comando Vermelho, escancarou para o Brasil – e para o mundo – a falência do Estado como ente.
Lembrando do encanto de antes e assistindo à dureza de agora, dá para ver que a leveza permanece, mas aparece menos; o bom humor resiste, mas anda precisando de reforços.
Ainda assim, quem conheceu o Rio antigo carrega dentro de si uma infinidade de lembranças. Recordações de uma cidade que recebia as pessoas com samba na esquina, conversa fácil nos bares e um sorriso que chegava antes das palavras. Uma cidade que mostrava, sem precisar explicar nada, por que era chamada de Maravilhosa.
Talvez o Rio continue sendo maravilhoso – só que de um jeito que exige mais boa vontade da nossa parte. A velha amiga está passando por tempos difíceis. A gente sabe. Mas, como bons amigos fazem, não viramos as costas: lembramos de quem ela foi, valorizamos o que ela ainda é e torcemos pelo que pode voltar a ser.
E porque o Rio sempre soube lidar até com a tragédia usando humor – esse patrimônio afetivo que o tempo não conseguiu roubar – termino com uma anedota que, para mim, resume o espírito carioca melhor do que qualquer crônica.
Segundo ela, em 1968, quando Robert Kennedy foi assassinado, dois engraxates conversavam na Cinelândia (para os mais jovens: Robert era irmão do presidente John Kennedy, também morto a tiros cinco anos antes). O que poucos sabem é que, antes deles, um outro irmão já havia falecido: Joseph P. Kennedy, o mais velho, oficial da Marinha, morto em ação em 1944, durante a II Guerra Mundial. A família Kennedy vivia uma sucessão de tragédias difícil até de descrever, que não acabou ali; décadas depois, em 1999, o filho do ex-presidente morreria com a esposa e a cunhada em um acidente de avião. Mas voltemos aos engraxates. Um deles comentou:
– “Você viu? Mataram mais um Kennedy!”
– “Sério?” – espantou-se o outro.
E o primeiro comentou:
– “Pois é. Imagine a dor dessa mãe…”
Ao que o amigo respondeu, sem levantar os olhos do sapato:
– “Que nada. A velha já está acostumada!”
Esse é o Rio que conheci. O Rio que transformava dor e tragédia em riso, que respondia com leveza até ao que não tem graça nenhuma, que encontrava espaço para o humor no meio dos sustos da vida. Uma cidade que, mesmo nos seus dias mais duros, ainda sabia sorrir – e fazer a gente sorrir junto.
Tomara que esse espírito retorne, para que a cidade volte a ser verdadeiramente Maravilhosa.


