Carlos Thiago Gonçalves de Ferrante foi um amigo muito, muito especial. O dia de ontem, me lembrou o Bruno, seu querido filho, marcou o 20º aniversário de sua partida, pouco antes de completar 56.
Nos conhecemos muito jovens, em 1963, no CEP – Colégio Estadual do Paraná. Ele era pouco menos de um ano mais novo e fazíamos o ‘Científico’, em salas separadas. No início daquela década o Ensino Médio passou por uma reforma para alinhar a educação às necessidades do mercado de trabalho e às aspirações dos estudantes. A alteração introduziu a separação das matérias de acordo com a carreira que cada um pretendia seguir, permitindo uma formação mais direcionada; eu desejava fazer Medicina e estava matriculado em Ciências Biológicas, chamada CB; o Thiago, se não me engano, fazia CS, Ciências Sociais.
Imagino que tenhamos nos conhecido nos corredores, talvez na cantina; não consigo recordar, mas sei que a amizade que construímos era daquelas que começam nas pequenas coisas e se solidificam nas grandes. A camaradagem logo se transformou em uma conexão tão forte que muitos nos confundiam como irmãos de sangue. O Thiago foi mesmo o melhor amigo de toda a minha vida e as lembranças do convívio permanecem vivas no meu coração, com uma intensidade que o tempo não diminuiu.
No CEP éramos parceiros inseparáveis e nossa disposição para o estudo era inversamente proporcional ao pendor para a safadeza. A minha rebeldia tinha explicação, mas a dele só podia ser debitada ao equívoco na escolha do melhor amigo. Granjeamos tamanha e tão justificada fama que um dia um Professor que tínhamos em comum me advertiu dizendo:
– “O senhor se comporte. O seu irmão já me incomodou muito, hoje”.
Quando perdi meus pais e irmãs, no início de 1965, essa amizade ganhou ainda mais profundidade. A casa dele no Capanema tornou-se meu refúgio, o lugar onde encontrava consolo quando a angústia me sufocava. Os pais, ‘Dona’ Lourdes e ‘Seu’ Fernando me receberam como um filho e me cobriram com o calor da família. Costumo dizer que lá encontrei um dos dois portos seguros que tive a sorte de descobrir; o outro era a casa da Peggy Paciornik, hoje Distéfano, uma amada irmã e sobre a qual ainda vou escrever. Sempre, mesmo após a mudança para a Benjamin Constant e depois para a João Gualberto, havia um lugar para mim nas bacalhoadas da família. Eles se foram, mas o amor que compartilhamos permanece eterno em meu coração.
Certa ocasião o Colégio decidiu identificar as árvores com os nomes científicos, colocando placas no gramado onde estavam plantadas. Como diz o adágio popular, “a mente desocupada é a oficina do capeta” e logo Thiago e eu, seus auxiliares, vimos ali uma oportunidade para atuar. O ‘seu’ Fernando tinha um grande escritório de representações, especializado no ramo de materiais de construção, ferramentas e ferragens; como uma das representadas fabricava cadeados, o Thiago passou a tirar peças do mostruário, uma por dia, e as levava para o Colégio.
Ao lado do estacionamento de automóveis havia um pequeno arbusto, e começamos a prender os cadeados nos pontos nas ‘forquilhas’ de forma que não podiam ser tirados. Fazíamos isso bem cedo, logo ao chegar, sem sermos vistos. Em poucos dias o tal arbusto estava cheio deles, chamando a atenção de todos. Após terminada a ‘obra’ (certamente por falta de amostras) colocamos uma placa de ‘identificação’ da espécie:
– “Cadeadus Vulgaris – família das Cadeadaceas”.
No dia seguinte o arbusto amanheceu serrado. Não sei se ‘seu” Fernando soube da patifaria do filho natural e do postiço.
Hoje, ao recordar esses momentos e o laço inquebrantável que compartilhamos, sinto uma mistura de saudade e gratidão. A amizade de Carlos Thiago Gonçalves de Ferrante foi um presente único em minha vida e sua memória viverá para sempre em meu coração.
One thought on “Dois Anjos no Colégio Estadual do Paraná”
Suas lembranças reavivaram as minhas!
Fui também um "anjo" no colégio.
Bela história.
Abraço.