José Genoino: de Onde Menos Espera é Que Não Sai Nada, Mesmo

Na impossibilidade de aceitar, a comunidade Judaica do Brasil vinha tentando engolir a decisão do apoio do Brasil à sandice produzida pelo governo sul-africano, quando teve o desprazer de constatar outra asnice, a do indivíduo josé genoino ao sugerir o boicote às empresas dos Judeus brasileiros. As minúsculas ele fez por merecer ao se apequenar. 

Ao assistir o vídeo foi inevitável lembrar o que disse o Millôr Fernandes: “de onde menos se espera é que não sai nada, mesmo”. Quando a expectativa é baixa, a burrice não surpreende.

Lembro que esse indivíduo, ex-deputado federal pelo estado de São Paulo por vários mandatos e ex-presidente do PT, foi citado no Escândalo do Mensalão e condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha. Já cumprindo pena em presídio, teve a condenação convertida em prisão domiciliar por motivos de saúde e mais tarde foi beneficiado por indulto de Natal assinado pela ex-presidente Dilma.

O que nós cidadãos comuns sabemos dele não difere muito do que mencionei, mas há quem o conheça bem. É o caso de Fernando Dourado Filho, escritor e tradutor do livro “Mazal Tov”, que no último domingo escreveu um longo texto que transcrevo a seguir. Você perceberá que é o relato de quem realmente conviveu e fala dele com propriedade:

“Genoíno e Israel: uma tristeza dentro da outra.

1 – Hoje fiquei triste ao ver uma entrevista atabalhoada de José Genoíno em que, entre outras sandices, ele sugeriu um boicote a empresas que pertencessem a judeus. Na cabeça algo complexa de um camarada como ele, o Hamas ecoa a dor dos Palestinos. Assassinos ou não, para ele o terror se justifica à luz da opressão colonizadora de Israel.

2 – Para ele e os próceres do que se chama de esquerda no Brasil, os árabes são o Oriente, a matriz original daquela gleba de terra ancestral. Israel é a cidadela que o Ocidente ergueu, um ponto avançado estranho às pedras e às oliveiras. Essa dicotomia ginasiana é perversa. Como sabemos, ela chega a contagiar até mesmo alguns judeus.

3 – Para esse núcleo de formulação política, o atraso significa vanguarda. Ser subdesenvolvido, tratar as mulheres como descerebradas e perpetuar estruturas sociais arcaicas – mesmo que à custa da corrupção, do terrorismo de Estado e da opressão política, tudo isso é do jogo. Se funcionou para Stalin, por que não funcionaria para Assad? Democracia para quê?

4 – Transparência, educação, universalismo, ciência e progresso cheiram a maquinações da direita, aos defensores da tal meritocracia e do livre mercado. Um Estado liberal que dê livre ao curso à iniciativa individual e destrave o crescimento é uma ameaça ao aparelhamento, ao emprego dos compadres, aos aditivos gordos. Democracia para quem?

5 – Como começar essa reflexão? Eu conheço muito bem José Genoíno. Na primeira vez que o cumprimentei – ele estava com Ryoko, a esposa -, eu disse: “Meu pai detestava o PT. Achava que vocês ainda vão trazer muitos desastres ao Brasil. Mas ele gostava de você. Dizia que se votasse em São Paulo, o voto dele seria seu.” Levei um cutucão da minha namorada, que me achou inconveniente.

6 – Depois disso, nós nos vimos muitas vezes -, aqui e em Brasília. Recentemente, em conversa com José Luiz Goldfarb, o ex-livreiro se referiu a Genoíno como um bom cliente, um amigo dos livros. Lendo as manifestações de hoje, me veio um paradoxo cruel que, no meu entender, pode iluminar uma reflexão sobre o antissemitismo de raiz. Prepare-se para isso.

7 – A bem da mais pura verdade, onde eu mais convivi com Genoíno foi na casa de amigos judeus, um casal que estava à frente de um lar judeu como poucos que eu vi. Naquele endereço de que tantos temos saudades, Israel não era uma abstração geográfica, um ponto de referência de salões. Israel ali pulsava as 24 horas do dia, em tempo real. O Haaretz era lido às 2 da manhã.

8 – Uma vez eu me encontrei com a psicanalista Anna Verônica Mautner. Quando ela soube que eu era um velho amigo da família, ela disse: “Pobre de você. Eles são judeus profissionais.” Num almoço de sábado, eu disse isso ao patriarca, que não se alterou. Pelo contrário, abriu um grande sorriso e disse que ela, a psicanalista, tinha toda razão.

9 – O casal de amigos judeus tratava Genoíno com imenso carinho. Tinha vezes que nos víamos no almoço do sábado, assistíamos ao jogo do Corinthians à tarde e, pasmem, no dia seguinte lá estava Genoíno de volta, às vezes sozinho, para um cafezinho com eles e Júlio Messer, amigo dileto do anfitrião. Lembro de ocasiões em que éramos os 4 na varanda.

10 – Meu amigo deslindava o que vira desde 1948. Paciente, desembrulhava a Declaração Balfour. Falava da Promulgação do Estado de Israel, de quando Begin quis interromper Ben Gurion com um aparte, e foi cortado com um peremptório: “Agora, não. Cale-se pela honra do momento e do Estado.” Explicava-lhe Suez, o Egito, Nasser e Dayan.

11 – Genoíno ouvia aquilo tudo. Amante dos livros, parecia nutrir um interesse autêntico pela história dos kibutzim, da Histadrut, da Guerra dos Seis Dias, da Guerra do Kippur, de Entebbe, de Bar Lev. Compenetrado, ouvia o que representara a ascensão do Likud, quem eram Golda, Shamir, Sharon, Barak, Peres e Rabin. Nosso anfitrião os vira todos, sabia o que poucos sabiam.

12 – Em casa, ele apresentava Genoíno a amigos de Israel em visita. Era normal que discordassem frontalmente quanto a algumas coisas. O Irã de Ahmadinejad era uma delas. Genoíno dizia que o Brasil não podia angular a posição diplomática de mais de 200 milhões de pessoas a partir de uma perspectiva da segurança de Israel. Um cafezinho da anfitriã serenava os ânimos.

13 – Amigos naquela época ainda respeitavam as convicções alheias. E depois, é feio fazer proselitismo embaixo do seu próprio teto. Que hospitalidade seria essa? Em contrapartida à sordidez que o cercava – ilhado em meio a Dirceu, Palocci, Delubio, Silvinho, Vaccari, Vaccareza e tantos outros -, magoado até a medula com Lula, era ali que Genoíno abria o coração.

14 – Lembro de que uma vez falávamos de Hannah Arendt. Nosso anfitrião tinha caminhado na pracinha pela manhã com Celso Lafer, um quase vizinho. Falaram de Eichmann, do julgamento em Jerusalém, de Hannah como judia. Meu amigo disse: “Ninguém precisa nos amar. Mas um judeu fareja o ódio a grande distância, antes que o tal mal se banalize”.

15 – Genoíno escorregou na fala que é favorável ao boicote de empresas de judeus, ademais do endurecimento diplomático do Brasil com Israel. Eu fico me perguntando se quando ele ouvia o que conversávamos ali, o filtro da ideologia o permitia escutar de verdade ou se ele só fazia de conta. Pode ser. Se queria enganar, seu passado já o treinara bem.

16 – Angustiado pelas perspectivas crescentes de ser preso, sem saber se fumava mais um cigarro ou se tratava da saúde, em momento algum lhe faltou amparo de uma casa de judeus. Genoíno vinha com a família para o seder de Pessach e estava sempre ali em torno da linda mesa de Rosh Hashaná. Algo de amor pelos judeus eu imaginava ter ficado.

17 – Ouvir o que ele disse ontem me faz pensar na junção do caráter com a ideologia. Não foram poucas as vezes que uma família ardorosa na defesa de Israel mostrou a ele que é na adversidade que os amigos contam. Quando a polícia prendeu um emissário do irmão de Genoino com a cueca estufada de dólares, não faltou apoio a ele. Eu testemunhei. Vi e ouvi.

18 – Foi o casal de amigos judeus o primeiro a levá-lo para locais públicos, tão logo os escândalos o liberam para sair na rua. Foi conosco que ele chegou ao Sushi Guen. O salão ficou em silêncio. Um homem pediu a conta e disse que o local já fora mais bem frequentado. Assim foi no Café Gardênia. Os amigos judeus não titubearam em prestigiá-lo e até em ajudá-lo com mimos e largueza.

19 – O destino não maquina as coisas à toa. Genoíno se diluiu dentro do PT, e sumiu no torvelinho de contradições dessa esquerda psicótica do Brasil. Os amigos de antigamente, ele já tinha perdido. Hoje eu começo a achar que a campanha do Araguaia, vista por alguns como heroica, já refletia mais um desvario do que uma opção. Uma distorção psicológica, um fascínio pela emboscada.

20 – Uma vez falamos sobre isso. Eu dei uma carona do aeroporto e perguntei onde ele queria ficar. Ele saltou 200 metros antes. Por coincidência, dez minutos depois tomamos o mesmo elevador. Íamos para o mesmo endereço, mas você resolveu descer antes. Tempos depois, ele me disse que eram condicionamentos do passado clandestino de dar pistas falsas. Entendi bem.

21 – O maior mal que essa turma de Genoíno fez ao Brasil foi oferecer uma direita histriônica como opção de poder. Por causa dessa agremiação nefasta e seu padrão de fazer política, levamos ao Planalto o maior núcleo de nulidades, de preguiçosos, de ignorantes, de patifes e de mau caráter da história do país. Atos como o de ontem engendram fanáticos de direita, desses de Bibi.

22 – É compreensível que a posição de Israel seja polêmica. Essa guerra não será jamais vista no País como uma página heroica. Se a guerra do Líbano trouxe disfunções psicológicas a muitos, esta de agora vai manchar um cartel de superações. Mas apontar o dedo para os judeus do mundo é vil. Já nem falo só dos judeus brasileiros. Isso para eles ressoa a capítulos impublicáveis do passado recente.

23 – Nessas horas, é o caso de nos perguntarmos se o Brasil não padece de um antissemitismo atávico, que, como dizem alguns judeus, é mais forte do que as camadas de verniz da cultura. Entranhada nas dobras da memória ainda nos sermões dos padres que ouvia no Ceará da infância, Genoíno dardejou a virtude. Ei-lo o eterno inimigo que já foi mais cordial.

24 – O casal de judeus que tão bem o acolhia e à sua família já morreu. Este domingo de chuva em São Paulo teria sido penoso para eles”.


Foto: Wikimedia Commons

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