Meu Encontro Com o Zé Arigó

Dias atrás lembrei de quando conheci o Zé Arigó, nos idos de 1963. A recordação surgiu  quando comentei com alguém sobre o que aconteceu ao embarcar na antiga rodoviária de São Paulo para viajar a Congonhas do Campo, em Minas Gerais, onde ele atendia.

Para quem não sabe, Zé Arigó era o apelido do médium José Pedro de Freitas, que dizia encarnar o espírito do médico alemão Dr. Adolpho Fritz e ser capaz de fazer curas milagrosas. Durante mais de 20 anos, naquela pequena cidade, ele diagnosticou, deu receitas e até operou espiritualmente pessoas que vinham de todo o país e também do exterior. Para isso e enquanto estava em transe mediúnico, ele usava instrumentos cortantes comuns, sem nenhuma esterilização, como facas ou tesouras.

Claro que junto com a fama chegaram as controvérsias; apesar de muitas pessoas afirmarem terem sido beneficiadas por curas e alívio de sintomas de doenças graves, ao mesmo tempo ele enfrentava críticas e acusações de charlatanismo por parte dos céticos e da comunidade médica. Ele faleceu em acidente de carro em 1971, com pouco menos de 50 anos.

Fui lá com minha mãe para levar uma amiga muito querida de nossa família que estava gravemente doente, a Marlene Wagner z’l (∗). O Zé Arigó estava no auge da fama e minha mãe se dispôs a levá-la para uma consulta. 

Eu estava com 15 anos e minha mãe tinha 38, e como no embarque fiquei na fila um pouco atrás dela, a pessoa que conferia os bilhetes achou que eu estava sozinho e pediu a autorização para que pudesse viajar desacompanhado. Respondi que estava com minha mãe e chamei-a, mas imediatamente o funcionário disse:
– “Tudo bem, pode subir”.

Minha mãe achou aquilo engraçado e perguntou o que havia acontecido, quando ele respondeu:
– “O menino chamou a senhora de mãe com tanta naturalidade que percebi que realmente era seu filho”.

Sobre o Zé Arigó: como era um guri, meu contato com ele me impressionou muito. A distância era grande, viajamos a noite toda e mesmo chegando bem cedo na casa onde atendia, enfrentamos uma fila enorme. Quando fomos atendidos, ele virou-se para um auxiliar e disse:
– “Traga a receita daquela menina de Curitiba”.

Detalhe interessante é que nem todos os que estavam ali tinham problemas de saúde e muitos representavam pessoas que não podiam se deslocar. Após a Marlene ser atendida minha mãe pediu um remédio para ela mesma e por orientação dela pedi ajuda para minha avó paterna, Sofia, que tinha diabete – o que não a impediu de viver quase até os 86. 

Quando nos entregou as receitas, o Zé Arigó disse:
– “Comprem os remédios na farmácia daqui, porque na cidade onde moram não vão encontrar”.

Há registros das cirurgias em filmes, assim como relatos de curas, e esse é um campo onde as polêmicas são enormes. Sempre haverá espaço para a discussão sobre a veracidade delas e eu mesmo não questiono o fato de que algumas pessoas podem ter sido beneficiadas, por sugestão ou por tratamentos convencionais em paralelo, mas só mais tarde me dei conta de que havia contradições, tanto no pedido da receita “da menina de Curitiba” como na recomendação para a aquisição dos medicamentos lá mesmo.

Como as pessoas preenchiam uma ficha ao chegar, isso permitia que um auxiliar passasse as informações mais importantes. Já no caso dos remédios, por condescendência talvez possamos admitir que a orientação servisse para quem vinha de cidades ainda menores do que Congonhas do Campo, o que não era o caso de Curitiba. Naturalmente isso soava como um estímulo ao comércio local e permitia que as pessoas acreditassem que ele, Zé Arigó, era financeiramente beneficiado com isso.

Quanto a Marlene Wagner z’l, infelizmente o Zé Arigó não ajudou e ela faleceu aos 20 anos, no ano seguinte.

(∗) “z’l” é a abreviação da palavra em hebraico “zikhrono livrakhá” que significa ‘Que sua memória seja uma benção” e é usada após o nome de pessoas que já faleceram.

 

One thought on “Meu Encontro Com o Zé Arigó

  • Hélio Azevedo de Castro

    Nós (meus pais, minas irmãs e eu) também estivemos lá. Na verdade, o que aconteceu com o médium José Pedro de Freitas foi que ele achou que poderia ganhar dinheiro com o dom da mediunidade, e o irmão montou uma farmácia ao lado do Centro. Não deu outra coisa. Algum tempo depois o médium morreu tragicamente num acidente de automóvel.

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