No Brasil Que A Gente Não Quer, Dinheiro Para Corredor de Fórmula 1

Caso você ainda não tenha tido nenhuma razão para se indignar, hoje, vou te dar um ótimo motivo.

É mais uma dessas coisas abomináveis que acontecem num país onde faltam escolas, hospitais, segurança, e, especialmente, vergonha na cara de alguns políticos.

 

Leia matéria publicada hoje no Blog Olhar Olímpico:

Como Lei de Incentivo e estatais ajudaram
a colocar brasileiro na Fórmula 1

Demétrio Vecchioli
27/11/2018 04h00

O caminho de Sergio Sette Câmara até chegar à Fórmula 1, como terceiro piloto da McLaren, passa por um maciço investimento de empresas estatais e concessionárias públicas, utilizando incentivos fiscais oferecidos pelos governos nacional e mineiro. Desde 2011, uma ONG criada para financiar a carreira do jovem piloto apresentou 13 projetos em programas de Leis de Incentivo, obtendo autorização para captar mais de R$ 26 milhões – quase metade disso, R$ 12,6 milhões, foram de fato arrecadados. A ONG tem, em sua diretoria, diversos sócios e ex-sócios do advogado Sergio Sette Câmara, pai do piloto e presidente do Atlético-MG.

A área de projetos da ONG é comandada por Luciano Anastasia, que é primo (segundo ele, de terceiro grau) do ex-governador mineiro e atual senador de MG, Antonio Anastasia (PSDB), derrotado no segundo turno da eleição deste ano ao Palácio Tiradentes em 2015 e não conseguiu a reeleição.

A Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais, controlada pelo governo mineiro) se tornou uma das principais doadoras para a ONG: com quatro diferentes CNPJ’s, doou R$ 2,9 milhões. Valor maior, só da Caixa Econômica Federal, que investiu R$ 6 milhões incentivados, sendo metade desse valor na semana passada.

Outras empresas públicas e concessionárias também ajudaram a carreira do piloto. Dos cinco projetos aprovados na Lei de Incentivo mineira, quatro foram inteiramente bancados por estatais: Gasmig (distribuidora de gás), Cemig (dois) e Embrapa (mineração). A outra doadora foi a Usiminas. Já entre os doadores pela lei federal aparecem outras distribuidoras de energia, como a STE Sul e a Light, a própria Gasmig, e concessionárias ligadas à CCR.

As doações têm crescido. Os três projetos relativos à temporada 2018 na Fórmula 2 arrecadaram mais de R$ 5 milhões, dos R$ 7,5 milhões possíveis. Para 2019, ano em que Sette Câmara vai correr de novo de Fórmula 2 e servir de piloto de desenvolvimento da McLaren na Fórmula 1, o Ministério do Esporte aprovou que o Instituto capte quase R$ 7 milhões. Após o anúncio da equipe britânica, a Caixa doou R$ 3 milhões e, a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (que, apesar do nome, é privada), outros R$ 250 mil. Em Minas, os R$ 258 mil aprovados para 2019 já foram doados pela Gasmig.

Apesar dos volumes considerados movimentados, a ONG não tem site. Em um pequeno texto na página do piloto, aparece que o Instituto foi estabelecido em 2012 tem sua atual atividade social “relacionada ao tratamento de crianças com paralisia cerebral”. Todos os 13 projetos apresentados às leis de incentivo, porém, diziam respeito somente à carreira de Sette Câmara Filho.

É assim desde 2011, quando foi apresentado o primeiro desses projetos à Lei de Incentivo federal, solicitando R$ 1,3 milhões. A verba foi aprovada e captada e, o projeto, executado. Até hoje, porém, o Ministério do Esporte não analisou a prestação de contas. Nem desse, nem dos convênios firmados em 2015 e 2016 – em 2012 e 2014, os projetos não foram aprovados.

Contatado por telefone, o escritório Sette Câmara, Corrêa e Bastos Advogados Associados confirma que boa parte de seus sócios faz parte da diretoria da ONG, que tem como presidente Felipe Gazola, sócio do presidente do Atlético-MG no escritório. O próprio Sette Câmara pai, porém, não faria parte da ONG que cuida da carreira do filho – a informação não consta na página do piloto. Diferentemente da Lei Rouanet, da Cultura, a Lei de Incentivo ao Esporte só permite que entidades sem fins lucrativos apresentem projetos, o que é criticado por setores do mercado.

Patrocínios privados

Também não são públicos os balanços financeiros da ONG que controla a carreira de Serginho. É fato, porém, que o Instituto tem também patrocinadores privados, que investem verba de marketing. De acordo com Eduardo Anastasia, Youse, Banco BMG e MRV Engenharia estão entre os principais apoiadores, mas a lista também inclui Supermercados BH e America.Net85. Essas três últimas empresas também patrocinam o Atlético-MG.

O Instituto não revela quanto recebeu dos patrocinadores diretamente. Mas, graças a eles, obteve financiamento suficiente para, em 2016 correr 22 provas da Fórmula 2, o que tem um custo de cerca de 2 milhões de euros, de acordo com fontes do blog. Na ocasião, conseguiu aprovação para captar R$ 7,1 milhões pela lei federal, mas só captou R$ 700 mil – um total de R$ 1 milhão, contando a lei estadual. Mesmo assim, financiou a temporada.

O artigo 24 do decreto que criou a LIE veda concessão de incentivo a projetos em “haja comprovada capacidade de atrair investimentos, independente dos incentivos fiscais”. Isso não vem impedindo, porém, que o Instituto continue aprovando projetos.

s voltados à temporada 2019, de acordo com Anastasia, contemplam apenas a participação na Fórmula 2 e serão revistos. Ainda segundo ele, porém, os treinos de Serginho com a McLaren não terão “um centavo” de dinheiro incentivado. 

O Olhar Olímpico também perguntou quantas profissionais são abrangidos pelo plano de trabalho do projeto de 2019 , se os projetos contemplam o transporte de equipamentos automotivos entre os circuitos que recebem as provas e qual a diferença de atuação dos projetos apresentados às leis nacionais e mineira de incentivo. Mas não obteve respostas. O Ministério do Esporte não informou o que o contempla o projeto para 2019.

Carreira

Sette Câmara chegou a fazer parte do elogiado programa de desenvolvimento de pilotos da Red Bull, sendo desligado dele no início de 2017, depois de ser duramente criticado pelo consultor Helmut Marko. Em 2016, em sua segunda temporada na Fórmula 3 Europeia, o brasileiro terminou apenas na 11ª posição classificação geral e só conseguiu dois pódios em 33 corridas.

Apesar do resultado baixo, Sette Câmara deu um pulo de categoria e passou a correr de Fórmula 2. A primeira temporada também foi irregular: em 22 corridas, venceu uma prova e foi duas vezes ao pódio. Terminou a temporada na 12ª colocação.

Já na última temporada, 2018, fez uma pole position na Hungria e a volta mais rápida de uma das duas provas em Monza, na Itália. Nas mesmas 22 corridas, conseguiu oito pódios, terminando a temporada em sexto lugar. A equipe dele a Carlin, foi a campeã de construtores.

Outros incentivados

A Lei de Incentivo ao Esporte não impõe qualquer restrição que à aprovação de projetos de automobilismo, seja para realização de competição, para formar atletas, ou para impulsionar a carreira pilotos, jovens ou não. Assim, o caso de Sette Câmara está longe de ser único.

Este ano, por exemplo, o Kart Clube Granja Viana aprovou, entre outros projetos, um exclusivo para a “temporada Brasil” do piloto de turismo Giulio Borlenghi. Poderá captar R$ 2,2 milhões – até agora, nada foi captado. Já o Automóvel Clube do Maranhão poderá captar R$ 2,7 milhões para financiar a temporada de Rafael Suzuki na Stock Car – para a temporada passada, ele arrecadou metade disso.

A mesma entidade maranhense, em 2016, recebeu autorização também para captar R$ 2,7 milhões para o projeto “João Vieira – Rumo à Fórmula 1”. Não captou nada, João continuou na F4 italiana e, no começo deste ano, sofreu grave acidente.

 

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Fittipaldi FD-01

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