Não, você não leu errado e nem está tendo nenhum problema de coordenação mental. O título está errado, mas está certo.
A frase “O Macorvo e o Caco” foi criada pelo genial Millôr Fernandes como título do texto publicado originalmente no extinto jornal O Pasquim na década de 70.
É difícil explicar aos mais moços a importância que teve o “Pasquim” na época em que apareceu, em 1969. O Millôr não foi um dos fundadores, mas assim como Ziraldo logo se juntou aos nomes centrais: Jaguar, Tarso de Castro e Sérgio Cabral (o pai do político, favor não confundir…).
O semanário, cujo símbolo era o ratinho “Sig” criado pelo Jaguar, surgiu naquela que é considerada a pior fase da censura do governo militar, mas como era dedicado a matérias mais leves sobre cultura e com muito destaque aos textos de humor, de início não teve maiores problemas.
Para os recém-entrados nos 20 anos, como eu, ir à banca para comprar a edição semanal era um vício, assim como era muito prazeroso conversar com os amigos sobre as matérias, personagens e frases de efeito criadas por aqueles gênios.
É preciso ter em mente que para mim e outros jovens, na Curitiba dos anos 70 e antes da Rua das Flores do Jaime Lerner, a efervescência acontecia na Boca Maldita. As redes sociais eram “presenciais”, com os carros estacionados na perpendicular e seus proprietários encostados nos para-lamas. Mesmo tendo deixado de ser a capital do país, no nosso imaginário o Rio de Janeiro representava o que havia de melhor no Brasil.
Voltemos ao início, então:
– já casado, costumava ler o texto para meus filhos pequenos, que riam muito. Cheguei a decorar alguns trechos, mas com o tempo fui esquecendo e guardei na memória apenas as primeiras frases, mas agora resgatei o texto inteiro. Ele e ótimo para contar para crianças, desafiando-as a “traduzir” frase por frase. Ao final vou colocar também o texto correto:
O Macorvo e o Caco
Andesta na florando um enaco macorme avistorvo um cou com um beço pedalo de quico no beijo.
– “Ver comou aqueijo quele ou não me chaco macamo”, vangloriaco o macou-se de sara pigo consi.
E berrorvo para o cou:
– “Oládre compá! Voçá estê bonoje hito! Loso, maravilhindo! Jami o vais tem bão! Nante, brilhio, luzidegro. Poje que enso, se quisasse canter, sua vém tamboz serela a mais bia de testa a floroda.
Gostari-lo de ouvia, comporvo cadre, per podara dizodo a tundo mer que vocé ê o Rássaros dos Pei”.
Caorvo na cantida o cado abico o briu afar de cantim sor melhão cansua.
Naturalmeijo o quente caão no chiu e fente imediatamoi devoraco pelo astado macuto.
– “Obriqueijo pelo gado!”, gritiz o felaco macou.
E encedendo rroudiz:
– “E a far de provim o mento agradecimeu var lhe delho um consou: jamie confais em pacos-suxa”.
A tradução:
O Macaco e o Corvo
Andando na floresta, um enorme macaco avistou um corvo com um belo pedaço de queijo no bico.
– “Vou comer aquele queijo ou não me chamo macaco”, vangloriou-se o macaco de si para consigo.
E berrou para o corvo:
– “Olá compadre! Você está bonito hoje! Lindo, maravilhoso! Jamais o vi tão bem! Negro, brilhante, luzidio. Penso que hoje, se quisesse cantar, sua voz também seria a mais bela de toda a floresta. Gostaria de ouvi-lo, compadre corvo, para poder dizer a todo mundo que você é o Rei dos Pássaros.”
Caindo na cantada, o corvo abriu o bico a fim de cantar sua melhor canção.
Naturalmente o queijo caiu no chão e foi imediatamente devorado pelo astuto macaco.
– “Obrigado pelo queijo” – gritou feliz o macaco.
E encerrou dizendo:
– “E a fim de provar o meu agradecimento vou lhe dar um conselho: jamais confie em puxa-sacos”.
Capa da obra “Rato de redação” (2022) – Crédito: Divulgação / Matrix